E lá estávamos nós, a bordo de um qualquer avião, rumo a um qualquer lugar. Chovia torrencialmente, o vento soprava forte e não, não faço a mínima ideia para onde íamos.
Ao lado de marido, do outro lado do corredor, sentou-se um homem de meia idade. Que tremia. E suava. E rezava. Tentava disfarçar, mas rezava. E fazia o gesto de quem alarga o colarinho da camisa. Repetidamente. Trazia o colarinho apertado até cima e aquilo começava a afligir-me. E a vontade que eu tinha de ir lá, oh com licença, e desapertar-lhe o botão, restituindo à liberdade as fartas carnes oprimidas? E o senhor arregaçava as mangas. Esfregava as mãos e desarregaçava as mangas. Voltava a arregaçar as mangas, para logo a seguir as desarregaçar. E eu constrangida e com pena, sem saber muito bem como poderia ajudar, ou se, se quer, me deveria intrometer.
Marido, óbvia e evidentemente, e dando largas ao despiste e distração que o caracterizam, lá ia desfilando disparates, todo divertido, e completamente alheado da situação.
Entretanto o seu olhar cruza-se com o do senhor em pânico, detêm-se por instantes e surpreendido com tamanha descontração o senhor pergunta:
- Mas você não tem medo?
Marido responde assertivo:
- Não!
E eu penso, Boa! Tal segurança na resposta só pode ajudar... Pobre homem....
Mas depois...
Bom, depois, e fazendo jus ao estranho sentido de oportunidade que lhe assiste, marido acha por bem acrescentar:
- ... Mas eu também sou um inconsciente!
E eu penso, Ora, merda!
(...)
E este episódio tem-me vindo recorrentemente à memória.
Imagino-me aos comandos de uma pequena e frágil avioneta.
Às vezes eu, às vezes ele...
E lá vamos nós...
Em velocidade de cruzeiro, na nossa vidinha, sempre em frente furando as nuvens... Nuvens carregadas em frente, à esquerda e à direita...
E nós na nossa pequena avioneta...
Sem medo! Até agora nunca tivemos medo.
E no que eu tenho pensado muito é se esta falta de medo é coragem ou, simplesmente, inconsciência.
Não sei.
A verdade é que nós lá vamos seguindo.
Sem medo.
Tal e qual os inconscientes.
Que essa inconsciência vos leve cada vez mais longe ( no bom sentido da coisa :D )
ResponderExcluir;)) também espero... :D
Excluir(O chato da vida real é que nunca saberemos o que seria ou como estaríamos se as nossas opções de vida fossem outras...)
Belíssimo texto. E que feliz (in)conscientemente sou. :)
ResponderExcluirObrigada! Que assim continues. :)
Excluir<3
ResponderExcluir;)
ExcluirQue continuem a ser felizes nessa (in)consciência 😙
ResponderExcluirUns dias somos mais felizes que outros, mas pronto... Lá vamos indo... ;)
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