(Aviso desde já as almas mais sensíveis que é bem capaz de
me sair um palavrão ou outro que isto há temas que libertam num ápice o Tourette
que há em mim.)
Acredito que isto seja difícil de perceber, mas a educação e
o ensino são-me temas tão caros, mas tão caros, que tive de abandonar o barco. E fi-lo sem olhar para trás. Porquê? Porque não consigo ser autómata,
não consigo não questionar, não consigo fazer o que me mandam, só porque sim,
quando eu vejo, quando eu sei, que as coisas podiam funcionar muito melhor. E
não, os alunos nunca estiveram na base da minha decisão, aliás se aguentei o
tempo que aguentei foi porque sabia que, modéstia à parte, era boa
professora. Mas não deu… Escolhi-me a mim e à minha sanidade mental. Nunca me
arrependi.
O ensino público que temos é uma merda. Uma valente merda. Há boas
escolas, sim. Eu frequentei sempre escolas públicas. Sempre em turmas boas (sei lá eu bem o que se passava nas outras turmas para falar em termos de escola). No 12º ano não
entrei em medicina porque não quis. Da minha turma entraram dois, mais uma em Medicina
Veterinária e outra em Farmácia. Os meus filhos vão iniciar o primeiro ciclo em
escolas públicas que espero, obviamente, funcionem bem. Mas tenho muita
sorte sim, a coisa começa dar para o torto e na mesma hora meto-os num privado. De qualquer das formas sou em princípio e por princípio pela escola
pública. Sempre. Mas… No seu todo, o ensino público é uma merda. Pela forma como
as coisas são geridas, haver escolas públicas a funcionar bem é, só, um pequeno
milagre.
O ensino público que temos é uma merda porque se muda de
políticas educativas de dois em dois anos. E isto com sorte. Cada mudança no
governo, cada cara nova no Ministério da Educação, sua reinvenção da roda, over
and over again… Sempre a experimentar, sempre a ver, e sempre a revelar a mesma
falta de respeito tanto pelos alunos como pelos professores. E nós a ver, a
comer e a calar.
É uma merda porque trata os professores que não são dos
quadros de agrupamento abaixo de cão (força de expressão, hã, não vos
enerveis amigos dos animais que não tenho vagar de vos aturar agora). Porque os
professores de quadro de zona pedagógica estão afectos a zonas geográficas
absurdas de tão grandes que são. Porque um professor pode este ano estar em Alcácer
do Sal e no ano a seguir em Nisa, que distam só 250 km. E tem de aceitar o horário. E mai
nada. E a motivação e disponibilidade para lecionar em condições, motivar os
alunos e aplicar os projectos individuais e mais não sei quê?… Pois, isso é
coisa de somenos importância e depois logo se vê.
É uma merda porque valoriza igualmente um óptimo e esforçado e dedicado professor como
um atrasado mental de um incompetente que nada sabe e nada faz. Os professores
são unicamente avaliados pelo tempo de serviço. E agora dizei–me em que fdp de
fim de mundo é que isto é concebível e aceitável? Nós? Nós comemos e calamos.
É uma merda porque há professores sem competências (nem
académicas, hã, nem académicas) a dar disciplinas que não dominam, só porque
sim, só porque têm as tais habilitações suficientes e se não fosse isso estavam encostados porque as
disciplinas para quais foram contratados deixaram de fazer sentido. E bem diz o
povo que quem não sabe ensina... "Manter pançudos é que não. Não com os nossos
impostos, olha agora!", parece que já os ouço berrar...
É uma merda porque se põem professores universitários a
fazer os programas de 3º ciclo. Professores esses para os quais crianças de 12
anos são como que entidades abstractas, quais unicórnios, com as quais nem se lembram de alguma vez terem
interagido. Não… Não se põem professores do próprio ciclo de ensino a fazer os programas. Não, esses não
sabem, esses não chegam. Uma coisa cá da minha vida só para terdes noção do que
falo: A primeira versão das metas curriculares de 7º ano veio-me parar às mãos.
Havia demonstrações matemáticas formais e rigorosas de teoremas, nos dois sentidos da implicação. Eu
tenho onze anos de estudos superiores de matemática no lombo, seis dos quais do
ramo científico, e eu tive de me aplicar a sério para perceber o que se queria
exigir a um aluno de 7º ano. Estais a ter noção do ridículo do problema? O
programa foi podado e bem podado e mesmo assim digo-vos, sem medos, que é
impossível leccionar o programa de matemática em tudo aquilo que ele preconiza.
(E eu não estou a falar daquilo que vem nos manuais que já vem (porque tinha de vir)
aligeirado, estou a falar do documento oficial do ME. É simplesmente ridículo.)
É uma merda porque permite que os livros escolares para alunos do 7º ano custem 20 e 30€ por disciplina. E se eles têm disciplinas...
E nós, nós somos a merda de um povo que vê isto a acontecer,
sabe o que está acontecer e come e cala. Pior… Não cala! Diz que no tempo dele
já era assim, que a vida dos professores sempre foi assim e que, ui, e vós
sabeis lá a merda de professores que tive: um dormia, outro fumava e outro falava
de putas, e como podes ver não correu nada mal.
A sério… Até quando??… Até quando vamos
pensar poucochinho, pequenino, centrados no nosso umbiguinho? Não tem de ser
assim… O Estado gasta 4% do PIB na Educação. São 6.959,1 M€. Foda-se! É muito
dinheiro! Já chega! Basta! Não tem de ser assim. Merecemos melhor, temos de
exigir melhor.
Mas não… Nós temos muitas qualidades, mas nisto
somos uma merda de um povinho tão pequenino, mas tão pequenino, que me dá cá um
asco que nem queirais saber. Com esta história dos colégios voltou-se a ver…
Não, o povo não se uniu a uma só voz para exigir a qualidade de ensino que alguns
têm nos tais colégios… Não… O que o povo fez foi unir-se para puxar os que têm
a sorte de estar num patamar acima cá mais para baixo, cá para o pé deles. Todo
juntos cá em baixo no ensino de merda de sempre. Já o disse na caixa de
comentários, esta história faz-me em tudo lembrar a das 35 horas para
os funcionários públicos. Não há a capacidade de perceber que se essa medida
passar para "eles", é muito mais fácil ser depois generalizada para todos… Não… O
raciocínio do tuga é imediato: se eu estou mal, o meu vizinho tem de estar
igual ou pior. Não, não tenho de ser eu a exigir condições para subir para onde ele está, o outro
é que tem de vir aqui para baixo para o pé de mim que não é mais que ninguém, era só o que mais faltava.
And last but not least, e relativamente às historietas
que vos contei… Bem sei, bem sei que são casos específicos, bem sei que são casos
isolados, que bons e maus exemplos há em todo o lado. Até aí ainda chega o meu
parco entendimento. Acontece é que eu não quis dizer nada disso… O que eu quis mostrar
é que o Estado não tem capacidade para lidar com as escolas. Não tem. Não tem este Governo, não teve o anterior e não há de ter nenhum. Não há milagres. Cada escola é uma
realidade específica. Cada escola é um Mundo. Não dá para lidar com as escolas
por atacado como se fossem repartições de Finanças. Não dá! Podem acabar os
contratos com os colégios de associação que quiserem, podem criar todos os projectos TEIP e
mais alguns... Vai sempre dar merda. Sempre. Cada caso é um caso. E nesta altura
estais alguns de vós a pensar: “Pois é… Mas não se pode agradar a gregos e a
troianos… Também não se pode estar a ver caso a caso... Nos casos em que correr mal, olha, paciência, correu! No meu tempo
já era assim e eu tive cada professor que nem te digo nem te conto… Mal sabes
tu que tive um que falava de putas nas aulas e mesmo assim estou aqui e não correu mal de todo”.
Pois é, pois é… Enquanto for com os filhos dos outros, por nós tudo bem, não é?
É pois… No nosso tempo também era assim e tudo. Não caríssimos, não estamos a lidar com números. Estamos a lidar com gente. Estamos a lidar com o futuro. Há muito dinheiro desperdiçado, em muita porcaria, para nos contentarmos com a porcaria de ensino que temos.
Tenho pensado muito nisto nestes dias e começa-me a ficar claro no entendimento que se o Estado não tem capacidade para gerir a educação, que passe a pasta a quem sabe e consegue, e que pague… Que pague e que nos permita ter um ensino de país civilizado. Afinal de contas, já se gastam sete mil
milhões de euros… Sete-mil-milhões! É muito milhão para continuarmos a ter um ensino público que é
uma merda (de uma roleta russa).