domingo, 18 de outubro de 2015

Para o Festival da Canção o melhor; já para o Primeiro Ministro, enfim, bacalhau basta...*

Isto do nosso sistema eleitoral é muito bonito, não é? 

Aaaaah... Um eleitor, uma cruz, um voto. E, ainda por cima, valem todas as cruzes o mesmo... Nem há cá cruzes toscamente rabiscadas a Bic de tampa roída e cruzes finamente delineadas a Montblanc Boheme Royal... Vai tudo corrido com as canetas presas com uma corda nas câmaras de voto. 

Não podia ser mais justo, pois não? Pois... Podia! Bem mais. E às tantas até se conseguia aliviar esta agonia de tentar perceber (adivinhar?) o que os eleitores quiseram dizer com as suas democráticas cruzinhas lá no dia 4.

Aliás, este sistema de um eleitor - um voto (ou votação plural) pode levar a gritantes injustiças suportando a eleição do candidato menos apoiado pelo eleitorado. 

Oi? Como assim estais a duvidar de minha palavra?! Até parece que eu alguma vez vos enganei.

Mas bom... Ora atentai num exemplo clássico da Teoria Matemática das Eleições, versão de um apresentado já em 1780 por Jean Charles Borda.

Considerai três candidatos: A(ntónio), B(runo) e C(atarina), a um determinado cargo e um universo de doze eleitores. 

Se eleitor prefere A a B, e, por outro lado, B a C, eu escrevo A > B > C, ok? (Eu por exemplo, prefiro um pêlo encravado a uma unha encravada, mas já prefiro uma unha encravada a uma perna partida. Enfim... Gostos!)

Agora imaginai que 5 eleitores consideram as suas preferências ordenadas da seguinte forma: A > C > B, 4 eleitores consideram que: B > C > A, e para os restantes 3: C > B > A. 

(Eu sei, eu sei que há seis possibilidades de ordenação, mas vamos deixar ficar só três para simplicidade do exemplo, está bom? Credo... Gostinho pela complicação...)

Pelo nosso sistema de "um eleitor - um voto" está bom de ver que ganharia o António, com uma percentagem confortável de 5/12*100 = 41.7% (1 c.d.).

O que seria totalmente justo, não é? Pois... Não!

Ora atentai... O que seria dos resultados se, por qualquer motivo, o Bruno tivesse retirado a sua candidatura?

Ganhava o António na mesma porque o Bruno não foi o vencedor, não é? Pois... Não! 

Se tirarmos o Bruno das preferências de cima a Catarina ganha ao António por 7 a 5.

O que é (des)engraçado é que se a Catarina desistisse de ir a votos, o Bruno também ganharia ao António por 7 a 5.

Se fosse o António a saltar fora, ganharia a Catarina por 8 a 4.

Ou seja, e isto é mesmo assustador, os eleitores acham a Catarina a melhor candidata porque ganha no confronto directo com qualquer um dos outros candidatos e o António o pior porque perde sempre para qualquer um dos outros. 

Mas agora reparai, e sem nada na manga, no nosso sistema "um homem - um voto" o António seria o mais votado e a Catarina, tcharan!, a menos votada!!! (Brrrrr... Que arrepio na espinha, meus amigos!)

Ou seja, as nossas preferências para o Primeiro Ministro são escrutinadas no dia das eleições legislativas? 

À luz do exemplo acima será abusivo dizer que sim, não é? Pois... É!

E então? O que se poderia fazer? Pois bem, talvez uma adptação daquilo que Borda propôs há mais de dois séculos e que é, basicamente, o que se faz no Festival da Canção. Cada eleitor ordenaria os candidatos por ordem de preferência e atribuíria pontos que a refletissem, ganhando o candidato com maior número de pontos. 

No exemplo de cima, cada eleitor atribuíria, por exemplo, 2, 1 ou zero pontos a cada um dos candidatos por ordem de preferência. Ou seja, 5 eleitores atribuíriam 2 pontos a A, 1 ponto a C e 0 a B, p. ex., já que cinco escolherem a ordenação A > C > B.

Fazendo a contagem para as outras combinações concluímos então que a Catarina ganharia a eleição com 15 pontos, seguida do Bruno com 11 e do António com 10. Ou seja, a Catarina ficaria em 1º lugar e o António em último.

Pois... Ao contrário do que acontece na votação plural, pelo método de Borda as preferências dos eleitores são tidas em consideração pelo que se reflecte de forma mais justa a opinião e vontade do eleitorado. 

De facto, apesar de não estar imune a críticas ou existência de paradoxos, o método de Borda é consensualmente considerado como o método eleitoral mais robusto.

Já agora, e em jeito de nota que isto já vai longo (o post e o dia), digo-vos que o nobel da Economia (1972) Kenneth Arrow provou que só há um sistema eleitoral blindado a paradoxos e injustiças, que é aquele em que há um único candidato, ou seja e em curtas palavras, a ditadura!

* Bem sei que votamos para a AR, mas bom... Não é propriamente esse o cerne da questão.

** Também sei que este método não é directamente aplicável às legislativas (ao contrário da eleição do PR, por exemplo) já que o que se elege não é uma pessoa mas um grupo de pessoas (deputados), ainda que seja possível uma sua adaptação.

*** Com este texto só pretendo chamar a atenção daqueles que se arrogam no conhecimento das preferências do eleitorado. Pois... Mais valia lançar búzios ou ligar ao Prof. Karamba... Verdade, verdadinha... Haver maioria de esquerda, não significa que a maioria dos eleitores prefiram um governo de esquerda. Mas também não significa o seu contrário. Mas calma... Tudo tem solução... Sempre se pode lançar moeda ao ar ou assim.

13 comentários:

  1. Foi o melhor texto q li por aí sobre isto tudo, talvez porque gosto muito mais de matemática do q de política... Beijo

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  2. Mas de onde é que surgiu esse Alberto?!?!

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    1. Chama-se António Alberto. :DD (Já corrigi. Obrigada.)

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  3. Muito bem! Mais um que gostava de partilhar no facebook, mas vou resistir. Estavas quase a chamar os bois pelos nomes se em vez de um B fosse um P (de Pedro). Os outros dois até que batem certo!

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  4. Obrigadinha por conseguires explicar matematicamente de forma a que as pessoas (leigas) entendam.


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  5. Mas será preciso estar sempre a mostrar que tirou o curso de matemática.. Que coisa, já sabemos que percebe muito de matemática, não é preciso estar sempre a mostrar...
    Já agora, estude também física e química (se é que também não é doutorada nessas matérias), só para variarmos os exemplos. É que já começam a ser uma seca, sempre o mesmo. Olhem como sou muito boa a matemática

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    1. "Estar sempre a mostrar que tirou o curso de matemática"?? Hã?! Se tenho, sei lá, seis posts (em 1130) sobre matemática é muito...

      (E isto dá-se em Matemática Aplicada às Ciências Sociais - a que têm os alunos de humanidades, no 10° ano... Convenhamos que não é preciso ser-se grande doutor para saber isto... Mas pronto... Se quer alardear que sou muito boa a matemática, força nisso que eu não me importo. Agora_ não me impute é essas palavras.)

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  6. Já eu sp achei q destas eleições se podem tirar duas grandes conclusões sobre a preferência do eleitorado.
    1 - a malta n gostou da austeridade e recuou nos votos da coligação
    2 - sao da opiniao q o PS n é assim tão diferente da coligação e/ou acham q o costa é um traidor pelo q fez ao seguro.
    O resto, bom o resto, em alguns casos, arriscaria dizer q foi pim pam pum ;)

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    1. Todos teremos suspeitas sobre o que se passou, mas não passam de suposições me... Acho que a nossa democracia merecia outro respeito, i.e., outro sistema eleitoral. (E não era preciso inventar a roda.)

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