O estranho caso do homem que bordava o nome completo no interior do casaco

Lavada em lágrimas Catarina reviu tudo o que tinha acontecido nessa manhã: o envelope azul que alguém lhe tinha metido por baixo da porta e cujo lacre tresandava a infâmia; e o pedido ao filho da vizinha de cima para que, a troco de um saco de gomas daquelas revestidas a açucar, fizesse chegar o tal envelope a Porfírio o mais rapidamente possível. Como sempre que era acometida pelos nervos, Catarina deu andamento àquilo que acordara com Porfírio no dia do seu casamento: bordar em linha de seda vermelho sangue o seu nome completo no bolso interior de casacos. Tantos quanto conseguisse, à razão mínima de um por semana. (Casacos que Porfírio comprava em promoção. Em lojas que estão sempre em promoção. Sim, como a sacoor, por exemplo.) Cada vez mais impaciente, e sem parar de  bordar, Catarina ligou a Porfírio para saber se já tinha recebido o envelope [sim, isso mesmo, sem parar de bordar fez um telefonema... Ide falar com a Palmier Encoberto que ela logo vos explica como é que isso é possível. Eu também estou ansiosa pela explicação.] Enquanto explicava freneticamente a Porfírio o que tinha acontecido e lhe pedia encarecidamente que a pusesse a par do conteúdo de tal envelope, que quisesse Nosso Senhor não fosse aquilo que ela estava a pensar, Catarina dirigiu-se ao closet dos casacos de Porfírio, pois o bordado que estava a fazer estava praticamente terminado.

Estava particularmente satisfeita com aquele bordado, o stress tinha-lhe espevitado as snipases e pensava que tinha conseguido o que há muito ansiava... Mas eis que chegada ao closet repara que... Não! Afinal não! Mais uma vez não tinha conseguido escrever o nome de Porfírio sem gralhas. Mais uma vez. Desta vez, em vez de  "Porfírio Manuel da Cunha Lencastre e Silva de Almeida Gonçalves Azeredo Mascaranhas" tinha bordado "Porfírio Manuel da Cunha Lencastre e Silva de Almeida Gonçalves Azeredo Mascarenhas". E então não aguentou e cedeu à pressão. Gritou e, com os nervos, desligou o telefone a Profírio. E agora ali estava Catarina... Lavada em lágrimas. Prostrada. Frustrada.

Frustrada porque se enganou apenas numa letra e já no último nome.

Frustrada porque o apelido até deveria ser "Mascarenhas" e não "Mascaranhas" que mais não foi que um erro em mil e nove  e troca o passo da responsabilidade do funcionário do registo civil: Pipoco Mais Salgado, de cujo nome não me se esqueceu.

Frustrada porque Porfírio não dava valor ao seu esforço de bordar tanto casaco, nem tampouco alguma vez tinha reparado que o seu nome não estava correctamente escrito em nenhum, rigorosamente nenhum.

Frustrada por contribuir para aquilo dos estereótipos femininos... Ela ali, em casa, a bordar para o marido que, por sua vez, não valoriazava o seu trabalho.

Frustrada por, a seu tempo, não ter tido forças para lutar contra o preconceito e casar com o verdadeiro amor da sua vida: Ivo Sá.

Frustrada.

Eis que então o toque do telefone a resgata dos seus pensamentos. Era Porfírio! Finalmente iria ficar a par do conteúdo do famigerado envelope azul.

Já mais calma atende: “Sim?!... Porfírio?...”

Para continuar a saga NM nomeia... flor!