Hoje o meu amor-filho mais velho faz seis anos. Seis! Meia dúzia. Uma mão cheia já não chega para lhe contar as voltas ao Sol! Seis anos de descobertas, de risos, de choros, de regras, de imprevistos, de Mundo.
Hoje o meu filho mais velho faz seis anos. E não me podia fazer mais feliz.
Este meu filho cresce e eu cresço com ele e com ele aprendo a ser melhor mãe, melhor e mais gente. Este último ano, então, foi de um crescimento extraordinário. Vi definir-se um homem ante os meus olhos e é incrível a nitidez da personalidade que carrega. Pontos fortes e fracos, límpidos como a água. Aos seis anos! Nunca em minha vida tinha imaginado!
Com este meu filho aprendi que as crianças são, simplesmente, esponjas, que absorvem qualquer líquido que lhes chegue ao raio de acção. Tanto o bom como o mau. Sem filtro. Focando-me no bom que essa absorção teve, e em grande parte graças à escola (que particularmente este ano fez um trabalho fantástico), fico admiradíssima com a cultura geral que aquelas criaturinhas de 5/6 anos têm. Fico verdadeiramente impressionada. Sabem coisas do arco da velha, sabem mesmo. Todos (grande parte, vá), não me refiro especificamente ao meu filho, a quem não acho, que fique desde já claro, mais inteligente que os demais. Eu é que não tinha noção da capacidade deles para entender o Mundo. E espanto-me, espanto-me todos os dias, com o que me chega das crianças desta idade. Crianças essas que chegam onde os seus adultos quiserem, logo que sintam a rede por baixo de si e se lhes tenha respeito pelo que lhes é intrínseco.
Falando especificamente do meu filho... Tudo tem de ter um propósito, obdecer a uma fórmula, ter um enquadramento ou seguir uma lógica. Antes de desenhar, por exemplo, divide a folha numa grelha para dispor os elementos. Há uma sofreguidão pela aprendizagem, pelo novo. Não pinta o interior dos desenhos, simplesmente porque já sabe de que cor vão ficar. Não vale a pena. É perda de tempo. É fascinado pelo Espaço, pelas leis da Física e da Química. O meu filho é um cientista. Tem alma de. É um matemático. Não desenha árvores e carros, desenha tabelas, gráficos e grafos e só depois enquadra umas árvores e uns carros muito, muito, mal rabiscados. E revelou-se indubitavelmente assim durante este último ano. Na festa de fim de ano da escola fizeram uma apresentação com o auto retrato de cada criança. O do Jr. era, a léguas, o mais feio. Monocromático. Gatafunhado. Mas, verdade seja dita, muito bem proporcionado e polvilhado de pormenores. E eu fico fascinada como é que alguém tão jovem, já tem apetências tão vincadas. O meu filho só aprendeu a andar de trotinete quando o pai lhe explicou que tinha de apoiar todo o peso do corpo, numa linha reta perpendicular ao chão, no pé que fica em cima e que o outro deve ir o mais próximo possível para não se distribuir o peso e se perder o equilíbrio. E aí ele percebeu... Só aí percebeu! E agora lá segue a fórmula: põe um pé na trotinete, o outro muito muito junto, e faz com o dedo o gesto de quem verifica se tem o corpo numa perfeita linha reta. E... Lá vai ele. O meu filho tem agora 6 anos e o jogo preferido é o gamão. E o xadrez. O meu filho ainda não sabe mas tem alma de matemático. Ou de físico. Ou de astrónomo. O meu filho até pode vir a ser outra coisa qualquer, mas na sua essência é isso. Posso com segurança dizer que enquanto a vida lhe fez pouca moça, o meu filho foi cientista. O melhor brinquedo que lhe dei foi um microscópio de bolso... Anda sempre munido de microscópio... A aumentar tudo o que a vista não lhe discerne.
O meu filho tem muita dificuldade em verbalizar aquilo que sente. Frequentemente não verbaliza, simplesmente. Ainda não percebi se não quer, se não sabe. Sei que algo de errado se passa porque o conheço, porque o sinto mais calado e acabrunhado. Falo com a professora e, lá está, uma zanga com um colega, algum trabalho mal feito... Sim, porque o meu filho impõe-se uma exigência absurda, completamente desproporcionada. Este meu filho foi aquele que quando era mais pequeno e o punha de castigo acordava aos berros durante três noites seguidas a pedir-me desculpa. O meu filho foi aquele que com dois anos treinava as palavras sozinho no quarto porque sabia que as dizia mal. Ouvia-o pelo intercomunicador: "Bóia [bola]... Não. Bóiiia...". O meu filho tem vasto vocabulário mas fraca dicção. Ainda hoje, quando se entusiasma a cantar o hino do FCP diz "Pôto-Pôto-Pôto!", não diz "Porto". Aos seus três anos recém feitos levei-o a uma terapeuta da fala que me disse que a única coisa que ele precisava era que não o corrigissem para não se inibir de falar. Lembro-me de ela lhe ter mostrado uma carta com um médico e antes de ele dizer que era um "méquio" disse lá na sua linguagem: bata, óculos, bigode, foco, estetoscópio... A terapeuta riu-se e disse que era caricato uma criança daquela idade "dizer" estetoscópio e estar ali.
O meu filho tem um medo de falhar, de desiludir que não sei de onde vem... Eu tento contrariar, mostrar-lhe que estou sempre lá, que se falhar... enfim, que se foda (lá diria o CR) lixe. Atenua mas não resolve. O meu filho traz o Mundo às costas. O meu filho é um adulto em miniatura, às vezes até me confrange tanta responsabilidade num corpicho tão pequeno. Sempre se levou muito a sério. Fica furioso se alguém o goza. Mas eu agora ensinei-lhe um truque: "Ri-te de ti, filho! Ri-te! Se caires e não te tiveres magoado, sê o primeiro a rir. Se disseres alguma coisa mal ri-te. Ri-te logo de ti. Temos de nos rir de nós próprios, não é?" E ele faz isso. E eu bem sei que é do melhor que se pode fazer e do melhor que lhe podia ter ensinado - sabermo-nos rir de nós próprios, antes que os outros o façam e nos façam sentir lá em baixo.
O meu filho tem resposta pronta. Sempre. Sabe expôr e argumentar e não tem medo de falar para muita gente (mais uma vez, tenho a certeza que a escola teve um papel fulcral nisto). Tem um sentido de humor cáustico. É sarcástico. Lembro-me de quando lhe estava a explicar que "a Terra é como uma bola, que tem assim como que um íman dentro e é por isso que as pessoas não caem", ele me fez uma festinha muito lenta no braço e me disse com a maior condescendência... "Chama-se gravidade, mãe!", para depois se rir com gargalhadas pequeninas e gozonas.
Este meu filho não tem jeito nenhum para o desporto. É franzino e descoordenado. Dão-lhe um encosto e lá vai ele disparado. Pediu-me que o inscrevesse no futebol. Vou fazê-lo e ele já o sabe. Ficou muito feliz e disse-me para lhe dar de presente de aniversário as sapatilhas para ele usar lá, que escusava bem de estar a gastar dinheiro noutra coisa. Tem uma orientação para a poupança inata. Uma relação com o dinheiro de muito respeito. Quando jogamos Monopólio finge que chora quando tem de dar notas. Naquele seu sentido de humor tão peculiar até beijinhos lhes dá. Finge euforia quando recebe: "Ai tantos euros... Ai que desmaio..." Desde cedo, se lhe digo que alguma coisa é muito cara, fica ali o assunto arrumado. Nunca este meu filho insisitiu para ter algo que eu tenha dito que era muito caro. Se é muito caro, ele perde o interesse. Tão simples quanto isso.
Eu tenho muito orgulho neste meu filho. Mas não é por ele ser engraçado ou bom de contas. O que me orgulha mesmo é o seu coração de manteiga. É o ser bom amigo e o melhor irmão de todos. É o dar-nos beijinhos inesperados, só porque sim. Tenho um orgulho desmesurado nele porque defende os mais pequenos ou fracos, porque vai, sem medos, falar com os adultos em nome dos colegas, porque não suporta uma injustiça, porque se agiganta para defender, porque foge da confusão e apazigua as águas. Agora com a passagem para o primeiro ciclo a turma vai-se dividir, uns para uma escola outros para outra e para outra e ainda mais outra. E eu fiquei com os olhos rasos de lágrimas quando me dei conta da preocupação do Jr. em saber com quem é que o M. ia ficar. A preocupação dele nem era tanto a de saber se ele ia ficar na mesma escola dos melhores amigos. Não, o M. é que não podia ficar sozinho. O M. não é dos melhores amigos dele. Nem de perto nem de longe. O M. é um menino com autismo grave. E se há dias em que o M. o abraça, em grande parte deles o M. bate-lhe e pouco ou nada brincam. Mas não, de todos o M. é que não podia mesmo ficar sozinho. E não vai ficar. Vão mesmo ficar juntos. E o Jr. ficou felícissimo.
Que a vida não (m)o estrague... É só no que penso.