sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Da paciência, da condescendência e das vacas que não dão leite.*

Ele sabia que a tinha. Sabia-lhe o amor. 
Um dia decidiu que queria um tempo afastado para, enfim, "respirar e sentir-te a falta". 
O problema não era ela. 
Obviamente. 
O problema era ele. 
Claro.

Sem perceber o porquê ela assentiu. Que mais poderia fazer? 
E ele lá foi respirar, enquanto ela lá ficou a soluçar.

Passaram-se sete dias e sete noites até que ela lhe foi indagar pelo seu precioso tempo. Olhos inchados, faces pálidas e coração partido. Súplicas de amor. 

- " Já tiveste o teu tempo?"

- "Ainda não."

- "Não?! Quanto mais precisas?"

E ele, a vê-la ali assim, frágil, diminuída no discernimento e à míngua de atenção, sorriu-lhe com condescendência, passou-lhe a mão na cabeça e disse:

- "Sabes... Uma vez o meu avô disse-me uma coisa que nunca mais me esqueci... Ele disse-me: 'Toda a erva dá leite.' E é verdade... Toda a erva dá leite. É tudo uma questão de paciência."

Passaram-se mais sete dias e sete noites e ele foi procurá-la, estranhando-lhe o silêncio. Já tinha tido o seu tempo. Já a queria outra vez. Oh, com que certezas a queria. Que saudades... Que ganas lhe tinha, valesse-lhe o criador.

O recíproco é que já não era verdade. Encontrou-a novamente pálida e de olhos inchados. Inerte, encostada à ombreira da porta da entrada, ela dizia-lhe, incompreensivelmente e sem o mínimo de emoção, que não, que já não, que a ela se esgotara o tempo. 

E ele não percebia... Pois se ele tinha certeza que a teria sempre. Para sempre. 

- "Mas... E o amor que me tinhas?"

- "Não te sei explicar... Desapareceu."

- "Mas desapareceu como?"

- "Como se uma vaca o tivesse comido."

E foi rigorosamente assim. 

Aquele amor desapareceu, engolido por uma vaca que, como todas, só dá leite se a ordenharem.

* Nada de autobiográfico, ok? ;)

8 comentários:

  1. parábola, metáfora?
    pode dizer-se: a vaca que comeu a erva que dava leite, era tudo perene, vai-se a ver caducou ali, qualquer coisa importante?
    Bom fim de semana, NM.
    Mia

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    1. Não sei que me deu, Mia... Deve ter sido qualquer coisa que me caiu mal ao jantar. :)

      Bom fim de semana!!

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  2. Será que vem daí a frase "o amor era verde, veio uma vaca e comeu-o"?

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  3. No meu caso foi autobiográfico (mais coisa menos coisa).
    Na realidade foi ele que pediu o tempo mas fui eu quem viu que não gostava assim tanto dele. Quando ele voltou para falar de "nós" eu tive de lhe explicar que não havia um nós.
    É engraçado como eu passei quase de um cão amestrado, sempre atrás a beber todo o "amor" que ele me dava, a perceber que estava muito melhor sem ele, sem o sufoco daquela relação.

    Por fim, aconteceu algo que eu nunca imaginei...quem andou atrás de mim foi ele. Durante quase 1 ano até que desistiu.
    Para mim ficou a lição que o amor não é aquilo e que não pretendia ter mais nenhuma relação como aquela.

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    1. O tempo corre igualmente para quem o pede e para quem o dá e as conclusões chegam dos dois lados. :)

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  4. Tão bonito, NM.
    :)
    Luciana

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